Uma análise do discurso, uma análise literária, uma crítica literária são capazes de inferir que o eu-lírico de Amargo & Inútil pode não ser tão amargo ou inútil assim.
Senão, vejamos: do ponto de vista de um filtro de oposições de hegemonia versus resistência, há muito mais uma afinação com o grupo pertencente à causa das resistências do que das hegemonias, ainda que em alguns aspectos as personas demonstrem um quê de conservadorismo. Muito embora, os setores conservadores da sociedade não sejam necessariamente hegemônicos: existem os ricos de esquerda também, como contrapartida…
Um exemplo de resistência é a postura crítica ao dióxido de carbono emitido nos dias que correm. Talvez, de amargo mesmo, o eu-lírico só tenha a pele, poluída de CO2. Lê aqui:
CO2
Muito mais haverá
de clandestinidade
numa assinatura
em chancela consular
do que no meu impulso
em transformar
o meu universo
intenso
em paragem habitável.
Um processador
escora-se sobre a
rapadura sertaneja
molhada.
Tapioca envolta
em modem.
Cambalacho à
terceira idade.
Todo protocolo
de gabinetes
presidenciais
resumido a telefonemas
carnavalescos.
Um período inteiro
de seguro-desemprego,
um período para pensar.
Na bastilha,
na praça da República,
nádegas anunciam
desenganos.
Movem-se os
anti-heróis
nos anos do mundo.
Bebem todo tipo de
álcool.
Os anti-heróis
em fila longa
no trânsito espalham,
com os pés no metal,
CO2 nas alturas.
Distribuem seus
pensamentos inertes
através do residual
sentimento de fé.
Remanescentes desejos
manufaturados
em tempo vestem
o corpo e a alma
dos anti-heróis.
Principal volume
de marginalidade
ver-se-á no olhar
dalgum poeta;
e menor será o crime
dos neobarrabazes
escolhidos
para casamento.
E terá nossa mímica
maior valor
que vossa reza.
E será nosso suor
mais caro ainda
que vosso ouro.
A hipersexualização
dos olhares,
dos andares,
dos falares,
dos pensares,
múltipla e insana,
far-me-á cedo dormir
e com nada
vezes nada
sonhar.
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