Os aforismos constituem um gênero de prosa em que o autor, observador do mundo, consigna as suas observações e ponderações; divulga-as, em coletânea, sob a forma de livro, quando o seu volume justifica a publicação.
Foi o caso das Meditações de Marco Aurélio Antonino, o imperador romano que nos legou sabedoria estoica; do Breviário dos políticos, do cardeal Mazarino, que expôs a sua astúcia no trato político dos homens; foi, ainda, o de Baltazar Gracián, na sua Arte da prudência, em que arquivou a sua sabedoria, entre cínica e interesseira, no comércio egoísta com a sociedade; foi, também, o do brasileiro marquês de Maricá, com as suas Máximas e reflexões, produto de vida de homem experiente; foi, ainda estes, o do conde de Ficquelmont, com os seus Pensamentos morais e políticos, o de José Saramago, nos seus Cadernos de Lanzarote, o de Vauvenargues, o de Pascal, o de la Rochefoucauld, o de la Bruyère, o de Nietzsche e não só.
É o caso, também, deste Post Scriptum, em que, alinhado com vários e honrosos antecedentes da reflexão humana, João Rosa de Castro coligiu 162 reflexões, desiguais na sua extensão, díspares na sua complexidade, variegadas nos seus temas e uniformes nas suas virtudes de observação e de espírito crítico.
Observar constitui arte que transcende a mera contemplação: enquanto esta limita-se à percepção acrítica, talvez apática, dos meios humano e físico em que nos encontramos, o observador repara no que percebe, analisa-o, interpreta-o, examina-lhes os méritos e os deméritos, o significado social do quanto se passa à sua volta, ajuíza, aprova, censura, pondera, em suma, exerce espírito crítico, locução em que conoto o adjetivo com a capacidade de análise.
Em Post Scriptum conjugam-se a arte da observação e o espírito crítico: a política, os comportamentos, os ricos e os pobres, a religião, as telenovelas, o ensino, os escritores, os músicos, o papel do Estado, o homem-massa, a vulgaridade humana, a alegria, o narcisismo e al, compreendem o largo espectro de temas da realidade brasileira coeva a que se ateve o seu autor e sobre os quais emitiu ponderações caracterizadas pelo desassombro de quem é alheio à massificação dos caracteres e à chateza de parte do ethos brasileiro.
As reflexões que aqui se reúnem destoam das fórmulas mentais do brasileiro convencional, sentido no qual exercem função pedagógica e terapêutica: pedagógica porque explicitam certas pequenezas do meio mental brasileiro, enaltecem valores melhores do que os triviais, esclarecem situações; em suma, ensinam o leitor a interpretar certa porção do mundo e da vida com mais lucidez. Terapêutica porque, na medida em que censura o censurável, enaltece o meritório, denuncia vezos, virtualmente Post Scriptum é capaz de induzir os seus leitores a reverem valores ou sub-valores, comportamentos ou sub-comportamentos e, desta forma, contribuir para (perdoe-se-me o chavão) “construir um mundo melhor”, para desentorpecer o leitor de algum seu marasmo existencial (em que, ao modo do homem-massa de Ortega y Gasset, os indivíduos uniformizam-se por demais) e, pelo menos, suscitar-lhe reflexões.
Não se cuida de formulações revolucionárias ou contra-culturais, hostis, por definição, ao ethos patrício; ele colige ponderações comumente alheias (ocasionalmente antagônicas) aos primarismos culturais e comportamentais em voga no presente, e milita em sentido orgânico: no fundo, move-se e remove. Move-se pela preferência pelo melhor, em oposição ao rasteiro; e remove o baixo. Oxalá os seus leitores sejam aptos a elevarem-se ao alto.
Lacônicas algumas reflexões, sob a forma de axiomas, extensas outras, em jeito de breves dissertações; ora irônicas, ora quase sibilinas; interessantes em graus diversos consoante a sensibilidade de cada leitor, irmana-as a lhaneza com que João de Castro as exprimiu, sem reservas mentais (ao modo jesuítico) que se destinassem a poupar de desagrados certos públicos e certas pessoas, que nomina. Suscitará, presumivelmente, indiferenças, antagonismos e adesões; induzirá, certamente, a meditações; concorre para patentear facetas ou formas de sensibilidade a que os leitores acham-se virtualmente desatentos.
Como (quase) diria Eça de Queiróz, usou da nudez crua da verdade, sem o manto diáfano da conveniência ou, como diria Augusto Comte, usou de viver às claras, na externização do seu entendimento e das suas convicções.
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